Produção

Os segredos da queima do barril no envelhecimento da cachaça

Dra Aline Bortoletto nos responde algumas dúvidas sobre o complexo processo de interação da cachaça com a madeira. Além do tipo de madeira, tamanho do barril, condições de armazenamento, a queima da madeira é uma das grandes técnicas usadas na arte de envelhecer destilados.

 

O poder da madeira durante o processo de envelhecimento é traduzido pela transformação do líquido recém destilado em uma bebida fina e de qualidade diferenciada. Dúvidas frequentes sobre o tema englobam uma série de transformações químicas e sensoriais que podem ser explicadas mediante pesquisas científicas e experiências de longa data.

 

Qual o objetivo do envelhecimento? O que compreendem as interações químicas que ocorrem durante o processo? Qual o estado ideal de maturação da bebida? Quais madeiras podem ser utilizadas para a fabricação de barril? Quais as características específicas fornecidas por tais madeiras? Até quando podemos reutilizar o barril? Como saber o tempo ideal de envelhecimento? Qual a influência dos diferentes níveis de queima interna?

 

Essas e muitas outras questões são formuladas por interessados em entender mais sobre o processo de envelhecimento da cachaça. Para respondê-las, devemos considerar aspectos interligados ao processo de produção da cachaça, que conferem composição diferenciada e comportamento particular. Podemos também empregar algumas analogias com demais destilados, tais como whisky, rum e cognac.

 

A queima interna do barril é um procedimento comumente utilizado nas maiores tanoarias do mundo, onde são fabricados barris com madeira de carvalho. Para dar o formato e auxiliar na envergadura das aduelas do barril, utiliza-se fogo na parte interna e água fria por fora. Após este processo, o barril passa por um novo tratamento térmico, denominado Bousinage ou queima final. O objetivo é proporcionar a degradação térmica dos componentes da madeira, a fim de degradar compostos indesejáveis e gerar moléculas aromáticas que agregam qualidade à cachaça. O nível de degradação térmica pode também influenciar as características físicas da madeira, pois aumenta a superfície de contato com o líquido e acelera o processo de extração dos compostos.

 

Algumas moléculas geradas são conhecidas como “marcadores de envelhecimento” e participam ativamente da formação do perfil sensorial da cachaça envelhecida. Os principais marcadores de envelhecimento são:

 

  • ácido gálico,
  • furfural,
  • 5-hidroximetilfurfural,
  • vanilina,
  • ácido vanílico,
  • siringaldeído,
  • ácido siríngico,
  • coniferaldeído
  • sinapaldeído

ácido gálico é um dos compostos responsáveis pela formação das lágrimas da cachaça. Ao girar o copo, a forma e velocidade em que o líquido escorre pelo vidro podem determinar a qualidade da bebida. O furfural5-hidroximetilfurfural são compostos formados pela caramelização de açúcares presentes na madeira e oferecem aromas de caramelo e amêndoas quando presentes em baixas quantidades, e de torrado quando em alta concentração. Vanilina e ácido vanílico são responsáveis pelas notas aromáticas adocicadas e de baunilha. Siringaldeído, sinapaldeído e conideraldeído fornecem sensações de apimentado e aromas de especiarias.


As tanoarias geralmente designam as queimas por intensidades leve, média e forte, podendo ter variações entre elas. Em tanoarias estrangeiras são denominadas como “light toast” e “light long toast”, “médium toast” e “medium long toast”, “high toast” e “high long toast”, onde é especificado a temperatura e tempo de duração da queima. No entanto, não há padronização do processo, pois as queimas são realizadas de maneira artesanal ou semi-artesanal. Exemplos de níveis de queimas são:

 

  • leve: 5 a 10 minutos em 180/200ºC;
  • média: 10 a 15 minutos em 200/230ºC e
  • forte: 15 a 20 minutos em 230/250ºC.

Algumas tanoarias brasileiras já promovem os níveis de queima em barris de madeiras nacionais. Esta inovação pode ser uma fonte de novos sabores e aromas para a cachaça. Contudo, a qualidade da cachaça envelhecida em barris queimados deve ser minunciosamente acompanhada pelo mestre de adega.

 

Gráfico 1 – Concentrações dos marcadores de envelhecimento (em mg/L) em cachaças envelhecidas durante 2 anos em barris de carvalho francês de queima leve e forte.

 

O gráfico 1 mostra que as cachaças envelhecidas em barris de carvalho francês com queima leve e forte possuem perfis diferentes, como o aumento de alguns marcadores desejáveis para a queima mais forte.

 

Gráfico 2 – Concentrações de furfural (em mg/L) em cachaças envelhecidas por 1 e 2 anos em barris de carvalho francês de queima leve e forte.

 

O gráfico 2 mostra os níveis de furfural em cachaças envelhecidas por 1 e 2 anos em barris de carvalho, onde a intensidade forte forneceu concentrações de furfural acima do permitido pela legislação, assumindo um risco para o consumidor e uma perda de qualidade.

 

Fonte: http://www.mapadacachaca.com.br/

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